O grande conflito armado do país no século 20 a Revolução de 1932 durou dois meses. Sem o apoio esperado - e com o armamento em frangalhos -, o estado não teve chance contra o governo federal
O moral dos cerca de 20 mil homens que compunham o exército rebelde paulista estava alto. A vitória estava garantida “sem um único tiro de fuzil” – era o que se bradava. O maior conflito armado do século 20 no país, entre 9 de julho e 2 de outubro de 1932, colocou de um lado o chamado Exército Constitucionalista e, de outro, as forças federais. Formada por militares rebelados, membros da Força Pública Paulista (FPP) e voluntários, a tropa rebelde brigava contra a ditadura de Getúlio Vargas que, em 1930, acabara com o Congresso e anulara a Constituição.
Apesar de todo o otimismo inicial, apenas um dia após a declaração de guerra o alto comando das tropas constitucionalistas já sabia que não tinha chance de vitória. Para que o plano desse certo, era fundamental a adesão militar do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais à causa. Horas após a eclosão do conflito, porém, Flores da Cunha, interventor no Rio Grande do Sul, e Olegário Maciel, governador de Minas Gerais, colocaram suas forças à disposição de Vargas. O general Bertoldo Klinger, comandante dos constitucionalistas, que havia ido a Mato Grosso em busca de armamentos, voltou de mãos vazias.
O plano de guerra formulado pelos chefes militares antes do 9 de julho era simples. São Paulo bloquearia o Vale do Paraíba para impedir uma manobra federal contra o território paulista. E Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso adeririam à causa. Mas, diante da falta de aliados, Klinger sabia que apenas um acontecimento externo poderia evitar São Paulo de ser esmagado. As opções eram o surgimento no exterior de um fornecedor de material bélico, os sonhados levantes por outros estados, a sublevação da Marinha de Guerra ou até mesmo uma paz negociada com o governo. Para dar tempo para que esse acontecimento externo realmente ocorresse, a ordem era resistir.
Fragilidade militar
O entusiasmo pela causa atingia diferentes grupos e classes sociais de São Paulo. Entre os soldados rebeldes estavam médicos, advogados, industriais e fazendeiros. “A idéia de paulistanidade, que existia desde o fim do século 19, sustenta um discurso hegemônico e dissolve as diferenças sociais”, diz Ilka Stern Cohen, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. “A imprensa e os discursos retratavam São Paulo como um território invadido, cuja humilhação era preciso apagar. A produção desse clima explica o envolvimento de pessoas que acreditavam na guerra como um meio de lavar a honra do estado.”
Mas, se sobrava entusiasmo, faltava experiência. A carência de instrução militar causava problemas de comando e disciplina. Além disso, muitos voluntários sequer sabiam manejar um fuzil. E, mesmo que soubessem, não havia armas para todos. Por se acreditar que seria uma guerra curta – e com aliados –, o alto comando tinha convicção de que o material bélico disponível seria suficiente. Só depois da eclosão da rebelião é que o coronel Júlio Marcondes Salgado, chefe da FPP, descobriu que os 3 milhões de cartuchos que possuíam estavam quase que inteiramente imprestáveis, enquanto 60% dos 8 mil fuzis se escangalhavam após os primeiros tiros. Os modelos mais novos, 40% do total, eram de 1908. O resto datava até de 1893.
“A situação material era crítica desde o início e as reclamações dos comandantes constitucionalistas nos vários teatros de guerra começaram imediatamente”, escreveu o cientista político Stanley Hilton em 1932 – A Guerra Civil Brasileira. A maioria das correspondências enviadas para Klinger era pedido de munição. Devido ao cerco federal, a única forma de aumentar o estoque de munições era fabricando-as. A fábrica de pólvora em Piquete, na região do Vale do Paraíba, estava nas mãos dos rebeldes e o estado de São Paulo possuía a mais avançada base industrial da América Latina. A iniciativa privada fez o que pode para suprir as tropas com o necessário.
A grande contribuição da indústria foi na produção de munição de fuzil e granadas de mão. A Fábrica Nacional de Cartuchos e Munições, em São Bernardo do Campo, pertencente ao grupo Matarazzo, desempenhava papel principal. Os engenheiros e estudantes da Escola Politécnica da USP desenvolveram morteiros, granadas de mão e carros blindados. Como tudo foi feito às pressas, os resultados, claro, não foram dos melhores. Já na demonstração dos primeiros morteiros aos comandos gerais do exército rebelde, o armamento falhou, explodiu e seus estilhaços mataram um coronel e um capitão. Foram as primeiras vítimas da improvisação do material bélico. Muitas outras viriam.
Uma “arma” desenvolvida pelos constitucionalistas ilustrava bem a situação bélica paulista. Tratava-se de um instrumento movido a manivela que simulava o som de uma metralhadora para assustar o inimigo. O coronel da FPP Herculano Carvalho e Silva descreve em A Revolução Constitucionalista a indignação de seus homens ao verem a matraca. “Um crime permitir-se que aqueles moços se expusessem às balas adversárias, ao metralhar dos aviões e tivessem como arma de defesa instrumentos que não o eram, na persuasão de iludir o adversário, quando na verdade procuravam iludir-se a si mesmos.”
Fuga espavorida
Levou pouco tempo para que os reveses nos campos de batalha transformassem o entusiasmo paulista em pânico. A primeira vitória federal de grande efeito moral ocorreu em Itararé, na fronteira com o Paraná. O combate começou em 17 de julho com lutas de trincheira e, na maior parte do tempo, de armas brancas como baionetas e facas. No dia seguinte, os constitucionalistas começaram a retirada. Na manhã do dia 19, as forças governistas ocuparam a cidade. “Tomamos Itararé a baioneta. Inimigo fugiu espavorido”, telegrafou o general Valdomiro Lima para o interventor federal do Paraná, Manoel Ribas.
A história se repetiu em praticamente todas as batalhas. Federais atacavam e paulistas recuavam. A falta de armas e de experiência, a fome e o desrespeito ao comando eram as principais causas da debandada. No caminho da fuga, armas, cavalos e veículos eram deixados de presente para as forças federais. Pior para os moradores das cidades localizadas nas zonas de combate. Um dos efeitos mais devastadores e comuns sobre os habitantes das zonas de batalha eram os saques, que se tornaram rotineiros. Os rebeldes arrombavam e incendiavam casas, matavam animais, roubavam dinheiro, comida e roupas. Além de saquear, os retirantes incentivavam a população, alarmando a respeito das tropas federais, a abandonar os locais.
A presença militar das tropas governistas não acabava com os problemas dos civis interioranos. As tropas governistas também saqueavam, embora menos. Isso sem falar que o Exército podia tomar os bens da população sem infringir a lei. Como a situação das forças ditatoriais também não era das melhores, o governo não tinha recursos materiais para dotar o Exército do necessário. Vargas procurou acelerar a produção de artigos bélicos e recorreu a mercados externos, mas também baixou um decreto obrigando todos os habitantes dos estados do Sul e do Sudeste a cumprir com qualquer requisição feita por membros das Forças Armadas. O principal item confiscado eram veículos, mas a prática abrangia todo tipo de bens. Teoricamente, a vítima da requisição deveria obter um recibo que lhe garantiria uma indenização. Mas era comum a tomada de bens sem o fornecimento do recibo. E a demora para sair a indenização era grande.
O incessante recuo paulista fez com que o inimigo chegasse às portas da capital. Hora de reconhecer a derrota. A guerra acabou em 2 de outubro, para alívio dos dois lados. Um oficial rebelde escreveu em relatório: “Congratulo-me com a Força Pública pela cessação da tremenda luta, a qual salvou a capital do estado e a maior parte de seu território da invasão inevitável, com todas as suas conseqüências”.
São Paulo até hoje comemora o 9 de julho e faz o possível para ignorar o 2 de outubro, mas o impacto da derrota foi profundo – embora a terceira Constituição brasileira tenha sido publicada em 1934. “O discurso do ‘perdemos, mas vencemos’ foi um consolo”, diz Ilka Cohen. “Foram quase 800 mortos por nada.”
Os motivos da briga
Governo de Vargas só era provisório no nome
“Não é possível entender a Revolução de 32 sem olhar antes a Revolução de 30”, diz o historiador Marco Antônio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos. Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas tomou o poder e instalou seu governo provisório. Sua ditadura acabou com o Congresso e com as assembléias legislativas e depôs os governadores de estado, substituídos pelos interventores federais. Esses interventores governariam até a aprovação de uma nova Constituição, que não vinha nunca. “O governo provisório no Brasil tinha virado permanente”, diz Villa. Em São Paulo, a insatisfação com a demora da elaboração de nova Constituição e o fato de que o interventor nomeado não era paulista irritou os cafeicultores, que buscavam recuperar o poder e a influência perdidos após 1930. No dia 23 de maio de 1932, quatro estudantes, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, morreram em um confronto com a polícia getulista na praça da República. Eles viraram mártires e suas iniciais batizaram o MMDC, entidade civil que se tornou símbolo da revolução e que alistava voluntários civis para a luta contra Vargas. O clima estava armado para a rebelião paulista, que foi declarada no dia 9 de julho.
Estado adentro
Tropas federais avançaram em duas frentes para suprimir o levante sul
Na região, a estrada rodoviária que entrava no estado por Ribeira e a ferrovia Sorocabana, que começava em Itararé, serviram de rotas de penetração. Os dois eixos convergiam sobre Itapetininga.
Rendição
As cidades foram sendo tomadas uma a uma pelas tropas federais – confira as datas em vermelho.
Campinas
Após todos os insucessos, só restava aos paulistas defender Campinas, o último reduto. A cidade era defendida por guardas avançadas. Mas, antes que fossem superadas, Klinger pediu o fim da luta, em 29 de setembro.
Leste
Devido ao fator geográfico, o avanço federal nesse setor era mais lento. Os terrenos da fronteira São Paulo-Minas Gerais e do Vale do Paraíba eram montanhosos, íngremes, de difícil acesso, o que facilitava sua defesa.
Túnel da mantiqueira
Perto de Cruzeiro, o túnel é símbolo da resistência paulista. Toda a região foi cercada por trincheiras e guardas avançadas. O general Góis Monteiro ordenou que as tropas esperassem a retirada dos paulistas.
Túnel da Mantiqueira" Revolução de 1932
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